POLITICAVOZ: São Paulo, 460 anos.
Minha cidade com 460 anos. Nela ainda vemos tantas inaugurações. A cidade, depois de séculos, está em obras. Tão recentes, obras indecentes; ainda inacabadas. Não há término para São Paulo, quando se chega já é a hora da volta. Ciclo interminável. O velho é destruído para o novo, e o novo, que vai ficando velho; destruído. Paredes tristes, folhas mortas; sinal fechado para todos nós. A cidade não para, apesar de tudo. É contínuo, delirante; cansativo. Há lanche rápido para os mais distraídos, há cerveja gelada; para quem quer distração. Há buzina e silêncio; para quem quer o barulho indefinido e a meditação impossível. Só não há marasmo, para a cidade que não sabe aonde chegar.
Com tantas coisas mortas, em cores e poluição, ainda há vida. Ninguém se reconhece; e todos se conhecem; em filas e esperas nos hospitais. Todos têm uma mísera história, uma anedota ou um caso triste em família. São Paulo é uma novela sem final feliz, sem personagens simplórios e conversas filosóficas. Tudo em São Paulo tem uma extravagância contida, cores cintilantes; um cinza mascarado. Seu pastel, sua pizza, sua feira-livre. A qualidade de quem não tem qualidade, apenas quantidade. São Paulo superlativo de motos, carros, cachorros e gente. Religião e cabeleireiro em cada esquina; companhia das padarias e farmácias. São Paulo doente da cabeça e do pé; tem um samba rejeitado pelos deuses cariocas do samba.
Não podemos parar para ler uma revista, nem para relaxar; nem em rede nem em bancos de praça. Não podemos fechar os olhos. Vivemos o beber, comer e correr. São Paulo onde o coração que bate mais forte, bate para o hospital, infartado. São Paulo que tem uma cara tão diferente de quando eu era criança – Naquela época eu queria vestir suas cores, gritar aos ventos poluídos meu amor indescritível – Mas o amor não existe, pois não há em você, São Paulo, um rosto para amar. Existe uma maneira de viver, uma história para se contar. Amamos, às vezes, inconsciente, seu pluralismo. Amamos a sua indefinição: em zonas, rios e avenidas. Cortando você a marginal, marginalizando a sua identidade. Amamos sua violência, pois sem ela seríamos eternos. Temos que amar sua péssima conduta, pois o amor tudo perdoa.
Aqui a música é mais alta, os eventos mais caros; o dinheiro mais sujo. Aqui o cristianismo mais amplo, os funkeiros mais próximos; a bandidagem menos nítida. Aqui não podemos pensar em dormir profundamente, pois o despertador é o nosso cotidiano na madrugada. Ônibus, carros, filas e atrasos. Relógio, em São Paulo, é o mapa existencial. Tudo tem seu horário, tudo num cronograma; petições e planejamento detalhado. Enfim, os sonhos em São Paulo, tão irrequietos, podem ser do luxo ou do sossego. Qual a razão, São Paulo, de tanto queremos estar ao seu lado?
A idade pesa, mas a esperança se renova. Queria amar você, São Paulo, esquecendo a lógica. Queria suas vilas mais limpas, sua gente mais educada; sua forma menos sombria. Mas hoje, São Paulo, meu pessimismo delirante dos dias tumultuados organizam os festejos com ônibus queimados; numa cidade sitiada de doenças virais incontroláveis; olhando para o preço da miséria. A festa, infelizmente, só pode ser com os bailes ridículos ao céu aberto com seus filhos todos perdidos e menos imaculados.
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