POLITICAVOZ: Estamos em construção.
Uma onda de protestos no Brasil nas últimas semanas. Manifestações que chegam bem no início de uma possível crise econômica. Inflação em alta (desproporcional aos anos seguidos de estabilidade); trazendo uma real perda do poder econômico. Dólar reagindo às condições negativas da economia. Uma letargia na produção e consequentemente no crescimento econômico. A possibilidade da crise, fomentado por um pessimismo das classes sociais e empresariais. E é nesse cenário brasileiro que surgiu um grupo de descontentes: radicais de esquerda, estudantes, país, empresários, donas de casa, aposentados, policiais, professores e outros membros da sociedade; todos “infiltrados” na transparência das redes sociais. É a nova maneira da revolução, onde discussões crescem e se fortalecem em meio às democráticas opiniões espalhadas nas “curtidas” e nos “compartilhamentos” dos perfis. É um movimento velho com uma ferramenta nova. Diferente de outras manifestações, essa nasce organizada no mundo virtual, mas ajustada às consequências do mundo real. Amplo na ideologia, mas com dificuldade em assumir um ideal, um modo de reconstrução, definir uma liderança; pontuar as mudanças. Os líderes populares são muitos. As reclamações são diversas. A unanimidade é o governo: julgado como o grande responsável por tudo de ruim que estamos vivendo.
A bandeira maior é do descontentamento. A questão da tarifa deu apenas uma desculpa, um motivo para que as coisas saíssem das telas dos computadores e tomassem as ruas. O estopim dos vinte centavos é um valor pequeno perto dos milhões subtraídos do povo em várias décadas. Afinal, não é de hoje que vivemos um sucateamento do serviço público, a corrupção, obras superfaturadas e toda regalia da classe política. Portanto, vinte centavos é a moeda, mas não é o valor da briga. O movimento que começou pequeno toma corpo, mostra uma cara; adquire inconscientemente questões abrangentes. Não podia ser de outra forma. Todos nós carregamos uma sensação de que estamos sendo usados, roubados; enganados. Acreditem: os vinte centavos é coisa barata perto de tudo que estamos vivendo.
Em meio às discussões que apareceram, surgiu também uma dúvida, um desconforto; um hiato entre o movimento social e o movimento cívico. O movimento que tem sua relevância na saúde, educação, moradia, que luta também contra a corrupção e os gastos excessivos do governo; não sabe determinar qual é o seu plano político para corrigir todos esses problemas. Esse espaço vazio entre as exigências do povo e as ações políticas poderá ser o maior problema enfrentado por todos os atores nesse processo democrático. A questão que era importante por causa do aumento da tarifa (e passou a ser fundamental para reconstrução de um novo país) não pode deixar de lado um personagem importante do jogo: a classe política. Eles que foram expulsos; desmascarados e interrogados, deverão aprender com os últimos acontecimentos uma maneira mais direta, transparente e honesta de lidar com seu povo. A grande missão, que começou por vinte centavos, é a recolocação da classe política nesse novo paradigma político e consequentemente do amadurecimento dos eleitores em sua responsabilidade cívica.
Mesmo que não tenhamos com nitidez todas as conseqüências dos atos, algumas coisas parecem claras. A primeira delas é que toda manifestação, ainda que tenha um caráter social, não deixará de ser um movimento político. Sendo assim, requer que a Política tenha papel fundamental nas questões pautadas pelos manifestantes. Se nós saímos às ruas para pleitear uma nova conduta política, são os políticos nossos líderes, os personagens ativos da mudança. O papel da população, nesse momento, é de fomentar, exigir e determinar as mudanças; criar os objetivos. É protagonista no enredo, mas não na ação. O plano estratégico continua sendo do Governo, dos partidos políticos; que é a representação popular pelo voto democrático.
A manifestação atual tem essa distinção: ausência de tutores. Se eles existem são anônimos, uma representação em massa. Por isso, em momentos, ela apresenta um foco nítido de exigências; e em outros uma ampla agenda política causada pelo desconforto com a situação brasileira. A falta de uma liderança pode colocar “o despertar brasileiro” novamente em segundo plano, pois nos contentaremos com a queda de braço por causa de vinte centavos, mas não teremos foco e força suficiente para a mudança estrutural que o nosso sistema político precisa. Lutaremos ao lado de muitos, para modificar pouco. Brigaremos por questões regionais, pontuais; deixando do lado a oportunidade de cobrar uma administração voltada para nossos verdadeiros problemas, abrangentes e precisos; determinantes para um bem estar social, os pontos fundamentais explorados nas manifestações: Saúde, segurança, educação, transporte e assim por diante.
Essa falta de articulação, negociada entre povo, poder e instituições; será o abismo da reforma que estamos exigindo. Por isso, de certo modo, voltar a tarifa para os valores pleiteados é muito mais fácil para os políticos do que uma a ampla reforma política. Os vinte centavos do argumento serão dissolvidos em novos impostos, siglas e rendimentos de um orçamento valioso e mal distribuído. A conta continuará sendo paga pelo povo, com outros nomes e outras derivações e abreviações menos conhecidas, mas tão maléficas ao bolso da população.
Não vejo, por enquanto, qualquer movimentação concisa que interfira diretamente numa reforma política, mesmo com os políticos se sentindo incomodados. Se o epicentro de tudo que está acontecendo é o descontentamento com a política nacional, talvez fiquemos mais uma vez parados na história, deitado em berço esplêndido; aguardando uma nova crise entre poder popular e o poder político. Teremos mais uma dúzia de manifestos pontuais, como dos agricultores, professores e policiais; e por questões sociais, como dos homossexuais, dos negros e dos índios; mas que não terão qualquer ligação entre si. Movimento com um descontentamento geral, como está acontecendo agora, tem o perigo de, caso seja resolvido, contentar poucos. Todavia, a interferência na estrutura política é fundamental para que negros, mulheres, podres, ricos; agricultores, empresários e estudantes sejam os verdadeiros beneficiados de um novo Brasil. É esse o ponto da nossa revolução, que não pode ser esquecido em nenhum momento. Precisamos deixar de lado as medidas profiláticas, como redução de tarifas, e buscar forças para uma verdadeira reforma, uma reforma estrutural na política brasileira.
Queremos transparência, mais privilégios; um país para todos.
É difícil compreender que tudo que estamos exigindo agora poderia ser evitado. Há uma nascente, uma causa. Um input democrático. Tudo que estamos vivendo agora, como seres políticos, tem sua origem no voto. É lá que acontece a primeira e derradeira manifestação democrática. Onde todos os pormenores da sociedade deveriam ser discutidos, analisados e programados. Ali, quando temos em nossas mãos o poder de escolher quem nos representará. O voto não é o “x” da questão, o voto é mais amplo. O voto é a decisão, que implica numa análise das oportunidades, das discussões partidárias; das bases ideológicas. O voto não é apenas no dia da eleição, o voto começa antes do processo democrático, e continua posterior à ele, quando controlamos os políticos e suas ações legislativas e executivas. A noção do voto deve ser abrangente no tempo e no espaço, não determinando apenas uma escolha, mas analisando o quanto essa escolha foi correta. A verdadeira manifestação das ruas, não é de hoje, continuará sendo o voto.
Mais importante do que conseguir qualquer garantia em relação às manifestações feitas é saber que realmente há uma mudança na mentalidade. Mesmo que não estejamos preparados para discutir política, a verdade é que demos o primeiro passo. A política virou assunto corriqueiro e por vezes interessante. Nos bares os movimentos são discutidos com troca de risos, de maneira leve; como quem defende o seu time do futebol. O ópio do povo perdeu espaço mesmo em clima de Copa das Confederações. Dilma foi pauta em churrascos, aniversários e reuniões familiares. “Nunca na história desse país” se discutiu tanto sobre o que significa a política, os políticos, PEC, moralidade e legislação. Ainda é pouco para nossa maturidade, mas é preciso começar de alguma forma.
Os resultados gerais da manifestação ainda são meramente especulativos. Tirando a conquista dos vinte centavos, ainda temos pouco para comemorar. A queda da PEC-37 também é uma realidade. Mas volto a pensar em algo mais abrangente, como por exemplo, a própria movimentação dos políticos, que num primeiro momento ficaram sem qualquer reação, mas que agora perceberam que alguma coisa deve ser feita. Em poucas semanas das manifestações, um político está sendo procurado pela polícia, há promessa de abrir os orçamentos, “mostrar a planilha”: Copa, transporte e afins. Votações atrasadas (esperando alianças políticas) foram votadas. Os políticos resolveram se movimentar antes de serem pegos novamente de surpresa, numa invasão popular em seu local de trabalho, ou nas páginas dos jornais.
Como eu disse, ainda é pouco para o Brasil. Precisamos mais, precisamos descobrir a raiz do problema, definir metas, estabelecer planos; projetar a vida social do nosso futuro. Não adianta continuar achando que só os políticos estão errados; que “tudo que está ai” não presta. Precisamos lembrar que fazemos parte da construção de um país, em nossa ignorância ou sabedoria; na nossa inércia ou ações. Nas nossas escolhas irresponsáveis. O Brasil é aquilo que nos escolhemos para ele. Enfim, se decidimos que o Brasil deve ser mais transparente, que devemos lutar pela população mais sofrida, que devemos exterminar a carreira política da corrupção; é provável que vamos colher alguma coisa nas próximas décadas. Mas se continuarmos achando que só existe um culpado, e que são os políticos os principais responsáveis; é bem possível que nossos netos invadam as praças, as ruas e os botecos para fingir discutir uma coisa que ainda não entendem muito bem; decidindo fugir de uma responsabilidade que também é deles.
Começamos a reconstrução e parar agora é tão ruim quanto ter deixado tudo como estava.
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