DESCONECTADO: Sofrimento de Otto
O novo CD do Otto é um tratado: talvez do abandono, da solidão e da realidade penosa de qualquer paixão. Otto fez um disco maravilhoso, e quem sabe encontraremos muito do seu suor e de suas lágrimas. CERTA MANHÃ ACORDEI DE SONHOS INTRANQUILOS é um trabalho que eu adorei e fiquei fã. As músicas, apesar de falarem de amor, não se caracterizam pelo romantismo; mas como eu disse: o tema é o rompimento, a dor e a solidão.
“Há sempre um lado que pese e um lado que flutua”. A música CRUA que abre o trabalho mostra a dicotomia de um rompimento amoroso. “Dificilmente se arranca a lembrança. Por isso da primeira vez dói, não se esqueça: dói”. O sofrimento é realmente difícil, mas há também a contrapartida da vida: por isso não se esqueça: dói. A primeira música é a chave de como será o trabalho, a dica do que iremos escutar nas próximas músicas, o fim do amor como uma coisa que dói, mas mesmo assim natural e inevitável.
A segunda música, O LEITE, tem a participação especial da Céu. “O leite derramado sobre a natureza morta, me choca. Quando eu perdi você, ganhei a aposta, não força”. Parecia que o artista sabia do rompimento, e que ele apostava nisso no começo da relação. O rompimento acontece na primeira música, mas só é mesmo esclarecida na segunda. “Quando eu sai da tua vida, bati a porta, saí morrendo de medo do desejo, do desejo de ficar”. A divisão da paixão entre ir embora (romper) e ficar (continuidade). Céu dá uma leveza a tensa apresentação do CD na primeira música.
Em JANAINA, musicalmente traz o que ajudou a construir a carreira de Otto: os batuques. A música é uma homenagem à devolução do cantor por Iemanjá. É compreensivo que depois da decepção amorosa; o artista se apegasse a religiosidade. A força vem com: “Disse um velho orixá pra oxalá, pra acreditar, pra não temer, temer, temer. Desses tempos verdadeiros, tempos maus”. Logo em seguida, com participação especial de Lirinha, Otto apresenta MEU MUNDO:
Essa é um pouco diferente do que vamos encontrar no resto do CD. É mais agressiva, com forte presença de batidas eletrônicas. Também é a música melhor trabalhada no aspecto da letra. “Dançar meu mundo, meu mundo dança, e aqui se embalança”. O artista precisa mudar aquilo que ele apresenta até agora. A força do rompimento se perde, enquanto o mundo dança, o mundo do artista dança (dançar no sentido perder). Aspectos externos da felicidade e aspectos internos da tristeza. “Conforto alucinante, tranquilidade na clareira do caos. O ponteiro, ele rodou mais rápido no mesmo relógio de ontem. O que as horas guardam nos espaços do contra-tempo? A mulher?”. O tempo precisa correr, mas alguma coisa atrapalha: a mulher? A mulher fazendo com o mundo pare. “O desejo é um tempo parado. É quando se trocam as datas dos bichos e das flores. É quando aumenta a rachadura da velha parede”. O artista precisa deixar o tempo passar, para a dor cicatrizar. “Eu sei que a viagem é longa. A voz vai e vem. Você ta aí?”. Ele precisa sair da realidade do tempo, para que tudo não passe de uma eternidade.
Em SEIS MINUTOS, o artista contra-ataca a necessidade do tempo; dizendo o que havia acontecido. A mulher? Sim. Tudo acontece por causa de uma mulher. “Nasceram flores num canto de um quarto escuro, mas eu te juro, são flores de um longo inverno”. Tudo acabado: “Isso é pra morrer, 6 minutos; instantes acabam a eternidade. Isso é pra viver. Momentos únicos, bem junto na cama de um quarto de hotel.”. Ou seja, o artista mostra que não quer mais a eternidade dos fatos; não quer que o mundo continue apenas como uma contagem do relógio. Tudo deve acabar e a meta é que seja seis minutos. Era o fim, pois também não existia mais sonhos: “E você me falou de uma casa pequena, com uma varanda, chamando as crianças pra jantar.”
Em LÁGRIMAS NEGRAS e SAUDADE, temos a participação de Julieta Venegas. “A luz negra, lágrimas negras saem, caem, dói”. E depois com o versos “Saudade quero ver pra crer, saudade de te procurar, na vida tudo pode acontecer e partir e nunca mais voltar” é a parte retomada da vingança da primeira música. Não se esqueça: dói. Conta a passagem das horas e da vida e das coisas voltando. Os seis minutos foram decisivos para acabar com o sofrimento mostrado até aquele momento. Novamente o “doer” aparece nas músicas: feridas ainda continuam.
NAQUELA MESA, uma releitura de um sucesso da música popular brasileira e posteriormente FILHA, onde o artista parece conversar com sua filha, dizendo que está tudo bem; apesar dos acontecimentos: “Aqui há paz e alegria. Antes que você perceba que não deu, não deu, não deu. Esse mundo não é meu. Vou voltar a procurar.” E por último AGORA SIM, onde canta a esperança no novo amor: “Vou te levar na praça. O dia vai chover. Muita paz e esmeraldas. Em cima de você. Quem disse que o amor não vai”
Assim, “Certa manhã acordei de sonhos intranqüilos” parece ser um disco muito particular, com gosto e desejos íntimos do artista; que expõe seus sentimentos de forma intensa. Aparentemente é um CD pessoal, mas que servirá para muitos que querem se libertar de um amor que não deu certo; enfrentando os problemas do rompimento sem medo. E que a proposta da dor acabar fique mesmo nos seis míseros minutos.
Procure: Crua, O Leite e Seis Minutos.
CERTA MANHÃ ACORDEI DE SONHOS INTRANQUILOS, Otto, 2009.
Nota: 4/5
2 Comentário
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Neisa
Amei! Deu vontade de sair agora e comprar o CD!!!!
Daniel
Disco fantástico, um dos melhores já produzidos em nossa música brasileira.