DESCONECTADO: Quem é a paz?

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Não é preciso pedir paz. A paz não virá de nenhum lugar. A paz não precisa de suplementos, ela não é diversa; mas universa. Não que eu não queira qualquer ação pela paz, ela é fundamental para existência humana, pois estabelece a harmonia. A ordem das coisas é a lei, o cosmo. E esse exclui de seus domínios os que não querem o privilégio do contentamento e da contemplação. A violência não agride apenas o outro, o oposto, mas é a própria flagelação: os vitoriosos pela violência continuam presos em sua irascibilidade. Jamais serão livres aqueles que vivem pela violência e com a violência. A paz é fim, não finalidade. Já ouvi que procuramos a paz para viver melhor. Eu temo essa afirmação: viver é apenas o meio. O que está acontecendo no mundo é que as pessoas desistiram de viver. A pergunta ideal, portanto, não é onde encontrar a paz, mas onde procurar a vida.

E o flagelo do mundo não é somente a nossa disposição gananciosa pelas coisas concretas, nem o desejo orgulhoso pelo desconhecido abstrato, ou nossas ações antiéticas; nem sequer causada por nossa puberdade humana; tão cheia de dúvidas e medos. Mas do nosso egoísmo, da necessidade de dispor o mundo na nossa única e soberba visão das coisas. Uma percepção subjetiva e parcial, tacanha e preconceituosa. A violência apresentada nos dias atuais não é briga por ideal, mas por uma idéia. Idéia pequena, infame e derrotada; pois está muito próxima a infelicidade. Não é uma disputa com um grupo, ou por uma bandeira; mas é ira particular, alimentada por impiedosa necessidade de poder e domínio sobre a vida e todas suas conseqüências. É íntimo, intransferível; tal qual a paz. Mas a violência não domina nada, não conquista. Ninguém pode ser dono daquilo que não entende: a paz é decisória apenas na comunhão com a felicidade universal. E a felicidade é a vida. Mas não sabemos mais sobre a vida, somos tão infelizes. Ela, a vida, está cada dia mais insignificante.

A paz não precisa ser. A paz por elementos estéticos, por revoluções sociais. Assim como não há remédio ou droga que impute a felicidade, não haverá qualquer ação ou sentença que estabeleça a paz. E no admirável mundo novo buscamos “a soma” na divisão. As mesmas drogas dos tempos antigos são usadas nos tempos de hoje: a viagem egoísta (Já reparou que qualquer vício é a uma chancela do egoísmo?) E a vingança da violência é contentar-se no meio de um bando armado e disposto a qualquer batalha; onde, mesmo em conjunto, se tornam solitários. Pois a guerra continua sendo uma briga inconsciente e interna: a culpa não deixa vestígios de testemunhas externas, mas oprime com o seu tripé jurídico o consciente. O gesto violento é motivação, não influência. Violência é um vício infeliz como qualquer outro.

Talvez algumas pessoas consigam interpretar a felicidade de outras maneiras, distorcendo a visão da paz. O mundo que se arma nunca pensará em paz, mas na disposição pela guerra. E vivemos a continua condição de pré-guerra. Como vivemos numa condição de pré-violência ao tentarmos defender a paz. Nós nos predispomos a violência; pois pela paz é necessária uma renúncia que não reconhecemos como justiça. A matéria das nossas mais calorosas defesas contra os violentos é combatê-los com uma violência subliminal. Uma violência menor, mas ainda assim violenta.

A paz que existe precisa apenas de quem a aprecie. Mas nos subjugamos a violência, como se ela não estivesse embrionária em nossos pensamentos mais inocentes. E obrigamos que os violentos reconsiderem a oportunidade da não-violência; enquanto nós continuamos vitimados por ignorar a verdadeira paz. A violência alienada é a que presenciamos, julgamos e condenamos; mas a violência em nós é muito mais perniciosa, pois é uma doença silenciosa e fatal; que nos iludi na necessidade pela paz que já existe, mas que não conseguimos reconhecer. A paz, que como a vida, está perdendo seu sentido mais verdadeiro e sublime: a felicidade.


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